No dia 06 de maio de 2013, o
governo federal anunciou através do Ministro de Relações Exteriores a
realização de um convenio com Cuba, através do qual mais de 6000 médicos
cubanos vão trabalhar no Brasil a partir de junho deste ano. Trabalhariam em áreas
carentes de médicos como interior do Amazonas, sertão nordestino, Vale do
Jequitinhonha e periferia das grandes capitais. Este anuncio está causando uma
grande polêmica na mídia, pois muitas instituições, relacionadas ou não com a
categoria médica, repudiam de forma veemente a vinda deste profissionais.
Alegam que no Brasil não há falta
de médicos e que os cubanos não teriam uma formação técnica-científica
comprovada. Consideramos que esta situação abarca uma discussão muito mais
profunda - que não está sendo feita pelos diversos setores da mídia, da classe
médica e da sociedade -, e de fundamental importância: a atual condição da
saúde do nosso país. A fim de refletir sobre alguns pontos relacionados a este
tema, escrevemos este texto.
O que é saúde
Saúde não é simplesmente a ausência de doença. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a saúde consiste no bem estar físico e psicossocial, que permita que as pessoas possam desenvolver todas suas potencialidades como sujeitos e coletividade.
A saúde, como expressado nos
anais da 8ª Conferência Nacional de Saúde em 1986, “em seu sentido mais
abrangente, é resultante das condições de alimentação, habitação, educação,
renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e
posse da terra e acesso à serviços de saúde. É, assim, antes de tudo o
resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar
grandes desigualdades nos níveis de vida”. Ou seja, é a satisfação das
necessidades materiais e subjetivas de cada indivíduo e da coletividade.
Assim, a saúde não é condicionada
somente pela situação de vida das pessoas, ou do contato com agentes causantes
de doenças (bactérias, vírus, cigarro, álcool, agrotóxicos, etc), mas é
determinada pela forma de organização da sociedade em que vive, além do acesso
aos serviços de saúde disponíveis.
Portanto, uma sociedade saudável é aquela que garante as condições de vida a sua população, inclusive que possibilita a atenção médica de maneira integral, igualitária, de qualidade.
Portanto, uma sociedade saudável é aquela que garante as condições de vida a sua população, inclusive que possibilita a atenção médica de maneira integral, igualitária, de qualidade.
Uma sociedade em que o sistema de
saúde não é totalmente público, logicamente, impede que todos os seus
indivíduos tenham acesso ao profissional de saúde, a exames, a internação, a
compra de medicamentos, a reabilitação. Ou seja, o fato da saúde ser uma mercadoria
e não um direito, incide diretamente nos índices de desnutrição, mortalidade
materna, mortalidade infantil, doenças crônicas, doenças infecciosas de um
país.
O SUS
O Sistema Único de Saúde (SUS) foi idealizado pelo Movimento de Reforma Sanitária, no fim da ditadura militar, e se refletiu no Artigo 196 da Constituição Federal: SAÚDE É UM DIREITO DE TODOS E UM DEVER DO ESTADO. O SUS se baseia nos princípios de universalidade, integralidade, equidade e participação social.
Contudo, durante os 30 anos de
implementação do SUS, muito do que se pensou pelo Movimento da Reforma
Sanitária se perdeu. Primeiramente porque que ao longo dos anos, o Sistema
Único de Saúde sofre um processo de sub-financiamento, sucateamento e
privatização, especialmente nos últimos anos, com a criação das Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público, Organizações Sociais de Saúde, a Empresa
Brasileira de Serviços Hospitalares. Segundo, porque nem a toda a população tem
acesso as condições de vida que determinam a saúde.
Terceiro, porque é incompatível
um Sistema de Saúde onde convivem o setor privado com o público, já que o
primeiro tem como lógica de funcionamento a doença para gerar lucro, através do
complexo médico-industrial e farmacêutico, que inclusive utiliza para isso
recursos e infra estrutura pública.
Ou seja, a população pobre, que
depende unicamente do setor publico, é aquela que mais sofre. Não é à toa, que
o Brasil, um país com índices de saúde invejáveis em algumas áreas (cobertura
de vacinação, de aleitamento materno, atenção ao paciente com DST-AIDS,
transplante de órgãos e hemoderivados) mantém indicadores regionais tão
dispares, assim como indicadores básicos de saúde não condizentes com a riqueza
do nosso país.
Saúde em Cuba
Brasil e Cuba são países difíceis de ser comparados, por tamanho, a quantidade de suas riquezas materiais, e as condições de vida de sua população. Contudo Cuba, um país socialista, bloqueado economicamente e pobre, há 50 anos reorganizou sua sociedade com base na distribuição coletiva dos meios produzidos. Criou um Sistema de Saúde público e estatal, com cobertura gratuita a 100% de sua população.
Atualmente é referencia mundial
em biotecnologia de saúde, em vigilância epidemiológica, atenção
materno-infantil. É um país cuja mortalidade infantil é a menor das Américas,
que atingiu as metas do milênio para mortalidade materna, erradicou a
desnutrição.
Possui um sistema unificado e
publico de educação médica, com avaliação anual e permanente nos diversos
níveis (graduação e pós-graduação, atenção primaria, secundaria e terciaria), e
que não separa ensino, pesquisa e extensão, pois a formação médica e
investigação científica são direcionadas a resolver os principais problemas da
população. A mesma formação muitos brasileiros estão recebendo em Cuba, e que
estão dispostos a trabalhar no Sistema Único de Saúde do Brasil.
O Projeto
O convênio faz parte do programa
do governo federal “Brasil mais Médicos”, que tem como objetivo “interiorizar”
o acesso à saúde no país. É uma medida que de fato fará a diferença por onde
estes médicos passarem: imaginem esses homens e mulheres vivendo no sertão
nordestino, ou viajando dias de barco para levar assistência a população
ribeirinha no Amazonas. Quantas pessoas jamais viram um médico ou sofrem de doenças
tratáveis?
Contudo, sabemos que tal medida
governamental não resolve os problemas de saúde no nosso país; além de caráter
temporário e paliativo, não discute o problema essencial desta situação: a
atual estrutura do Sistema de Saúde no Brasil e seu projeto de sociedade.
O perfil dos profissionais que
virão ao Brasil é de médicos e médicas com ampla experiências internacional
(com no mínimo 2 missões cumpridas anteriormente) e de alto perfil
técnico-científico, sendo que todos são especialistas em Medicina Geral Integral
(Medicina da Família no Brasil) e a maioria tem outra especialidade médica,
além de mestrado nas áreas da docência ou investigação. É importante salientar
que os títulos destes profissionais são aceitos em diversos países da Europa,
África e América e que possui compatibilidade curricular suficiente para
exercer a profissão no Brasil.
Nós, brasileiros estudantes de
medicina em Cuba defendemos um Sistema de Saúde totalmente público e estatal,
gratuito e de alta qualidade, que garanta à população brasileira condições de
vida saudáveis e a possibilidade que todos possam desenvolver suas
potencialidades. O maior aprendizado que tivemos em Cuba foi ver que isso é
possível.
TEXTO FEITO PELO NÚCLEO DE ESTUDO
DE SAÚDE COLETIVA DE HAVANA
Comunitária 97.9 FM
Frederico Westphalen